21 de junho de 2013 258 views
Como sociólogo, aprendi que não se deve nunca analisar uma situação sem que os fatos estejam todos “materialmente” colocados. Por isto mesmo é tão sedutor este assunto. Enfim, o que eu penso das manifestações é o seguinte: acho bom, instigante, demoverá muitas pessoas de concepções carcomidas pela ignorância, promoverá aprendizado de todos os lados. Inclusive, e, ironicamente, até mesmo as grandes mídias televisivas mudaram a sua perspectiva, dá para acreditar nisto? Eu não acredito, mas intuo as motivações, e é trágico.
De todo modo, não quero falar das estratégias de emissoras para manter a audiência da “classe média”, a qual não quer se ver na TV como marginal. Me chama mais a atenção este desejo, paradoxal e propalado aos brados pelos manifestantes, pelo “a-político”, uma ideologia daquelas que só perpetuam, que escravizam as mentes e os corações. Este semestre estou lecionando um componente curricular que fala de direitos e de cidadania, possivelmente, a disciplina que meus alunos/as consideram a mais enfadonha que já mediei, “ensinei”. Conto isto porque são ilustrativas as situações com as quais nos defrontamos quando abordo cotas raciais, ética ambiental, reforma agrária, demarcação de terras indígenas, ética na pesquisa, eutanásia de animais para ensino, ética no serviço público, engajamento político, direitos sexuais e reprodutivos, distribuição de renda e outros tantos temas que envolvem DIREITOS. Todavia, não me atrevo a citar o que ouço nessas aulas de DIREITO E CIDADANIA, em meio a tanto otimismo, seria deselegante da minha parte.
Mas, não me furto a dizer que o que tem prevalecido nas aulas é a passividade e a opacidade fascista do individualismo, talvez por incompetência minha. De algum modo, observo coisas semelhantes nas manifestações, guardadas as proporções. Por exemplo, tenho ouvido retumbar pelo país gritos contra a corrupção, a favor da educação e da segurança, saídos da boca das mesmas pessoas que quando podem são autoritárias, dão propina ao garçom e ao policial, que nunca participaram de uma agremiação se quer, que nunca se colocaram na posição de coordenação e por aí vai. Evidentemente, que há nas manifestações, torço que seja a maioria, pessoas e grupos que são engajados POLITICAMENTE, no bom sentido da expressão (aliás não deveríamos admitir outro).
Todavia, e para terminar, penso que, infelizmente, não mudará muita coisa se não tornarmos objetivas as nossas bandeiras. Por exemplo: se grito por mais educação, tenho que entender que isto significa ampliar ainda mais as cotas para os pobres, para os negros e para os indígenas; se grito por segurança, tenho que voltar de táxi ou a pé para casa da balada depois de tomar minhas cervejinhas e tequilas, tenho que evitar o uso de drogas legais e ilegais, tenho que respeitar as placas de trânsito e os pedestres, os ciclistas, as vagas reservadas no estacionamento; se grito por menos corrupção, tenho que me lembrar o nome de todas as pessoas em quem votei nas últimas eleições e qual agenda me apresentaram, tenho que combater o plágio nos trabalhos escolares/acadêmicos meus, de meus colegas ou alunos, tenho que denunciar e me posicionar frente posturas que eticamente não considero adequadas, tenho que me fazer ativo e propositivo, mesmo que isto não seja confortável e de fato não é e, tampouco, tem que ser; se grito por mais transportes, tenho que saber para onde estes me levam e para quê, tenho que dar bom dia ao cobrador e ao motorista, tenho que aprender seus nomes e desejar-lhes boa viagem ao entrar e descer do veículo que conduzem; que quando grito pelo “a-partidarismo” e pelo tal do “a-político” estou ignorando todas as vezes que neste país os partidos políticos foram caçados junto com a possibilidade de escolhermos nossos líderes ou nossos algozes.
Em suma, espero e desejo, que quando as pessoas se cansarem de ir à rua ou de postarem frases de efeito nos seus facebooks, que este espírito, este “ethos”, se torne cultura, se torne prática, se converta em leitura, em estudo, em empatia, em perguntas e em debates nas salas de aulas, nos escritórios e nas construções, “que ainda haja amor para recomeçar”. Creio na mudança e na transformação, mas não sou ingênuo, sei que ela não vem por osmose. Ouço algumas pessoas dizerem que a última vez que elas participaram de algo assim foi no impedimento do Collor, então, me dou conta de por que não estou tão comovido com tudo isto: é que para mim isto é “cotidiário”. E isto seria o mais importante se aprender com este acordar: perceber que tem gente que precisa lutar todos os dias pela sua existência e pela sua dignidade.
Emerson Martins (Mestre em Sociologia e doutorando em Psicologia)
* Essa notícia foi escrita e divulgada como parte do projeto de extensão: “Elaboração e transmissão de notícias por meio de rádio, blog e jornal: instrumentos para o ensino e a democratização de saberes científicos em contexto de comunidades rurais” coordenado pela professora Renata Orlandi.
Fonte: Ariel Tavares - Assessoria de Comunicação UFFS - Campus Realeza